Como esse é um blog pessoal e acho que já ficou estabelecido que sou uma pessoa meio obcecada com coisas de papelaria, achei válido falar da minha participação nesse evento que foi uma das maiores tours de papelaria dos últimos tempos hehe. Segue textão em formato acadêmico:
Introdução
Caso você esteja vivendo debaixo de uma pedra, não use o Tiktok ou não
seja uma pessoa obcecada por produtos de papelaria que recebe noticias
sobre o assunto dos seus amigos que usam o Tiktok, a Papelaria Castorino - uma papelaria normal, familiar, que existe em Vitória faz décadas e faz seu corre
vendendo material escolar - hitou na internet porque expôs um estoque
de produtos dos anos 90 e 2000 em ótimo estado de conservação. Aparentemente eles tem um estoque
IMENSO mesmo que ficou acumulado por compras sem planejamento (e só Deus sabe como não foram a falência com tanto capital
parado por décadas, mas não estou reclamando), mas o fato é que a empresa ainda opera normalmente, tem várias
lojas e regularmente vendia material normal de papelaria, coisinhas de
presente, brinquedos e materiais vintage junto e misturado. Você ia lá comprar um caderno pro começo do ano e ia achar os cadernos novos e os de 2007 lado a lado - até aí normal, era produto do estoque e eles trabalham com isso.
Com o hit na internet, várias pessoas ficaram doidas e quiseram saber como podiam comprar as relíquias (eu inclusa) já que não moravam no ES. Primeiro eles tentaram vender pela Shopee, mas aparentemente a loja deles foi bloqueada por lá por muitos acessos (???) e essa operação ficou impedida. Achei estranho, mas não tenho opinião porque só descobri a história depois disso. Sem a Shopee, a ideia seguinte foi fazer um e-commerce pra poder operar vendendo nas lojas físicas e online, os produtos antigos e novos ao mesmo tempo. Pra eles, não parece existir uma distinção entre o "nicho vintage" e os produtos atuais, mas pro público claramente existe.
Método e resultados
Comecei a seguir eles no Instagram faz uns três meses e, acompanhando com uma frequência absurda, o que eu vi foi muita gente - MUITA - nos comentários dizendo que tava doida pra comprar, pra satisfazer vontade de coisas que não pode ter 20 anos atrás, pra dar pros filhos, pra usar, pra colecionar. Pessoalmente, eu fiquei animadíssima com a possibilidade de achar um estoque de cadernos espiral 1/4 da Tilibra, da época que os cadernos ainda tinham 96 folhas (uso como diário e sou frescurenta, não gosto de outras marcas, odiei a diminuição de 16 folhas que ocorreu com o tempo). Foi um período de muito trabalho e muitos stories - acho que todo dia eles postavam pelo menos uns quatro indo pro estoque, abrindo caixa, mostrando caderno da Sandy e Júnior, agenda de 2002 da Capricho, estojo de lata, índice telefônico dos Looney Tunes e uma coleção sem fim de produtos da Grafons, que me fez perceber que a marca tinha deixado de existir e levou embora aquela magia em cores vibrantes de produtos de personagens licenciados e extremamente detalhados que marcou minha adolescência. Tinha bloco de fichário das Menininhas, tesoura do Pooh, bolsa da Pucca, caderno do Leonardo, lancheira do Digimon, agenda da Sininho, diário da Minnie, uma festa só.
Nisso, começou a acontecer o seguinte:
- O site demorou bastante pra ficar pronto e muita gente ficava afobada, desesperada, achando que não ia conseguir comprar as coisas, que não ia ter pra todo mundo, que iam vender tudo nas lojas físicas (que caso você não tenha entendido até aqui, são produtos reais oficiais produzidos nos últimos 30 anos, então muita coisa já tinha saído do estoque oficial há eras e quando acabar, acabou) e que assim, todo aquele auê de stories era propaganda enganosa e as pessoas iam ficar na vontade;
- Várias pessoas apareciam todo dia perguntando a mesma coisa nos comentários (onde compra? qual o site? tem x item do personagem y?);
- Muita gente queria saber o preço das coisas pra saber se era viável ou não (e eles demoraram bastante pra passar isso);
- Algumas pessoas passaram a comprar na loja física e revender na internet botando lucro em cima e gerando certo medo e revolta no público que queria comprar;
Aí, no dia 16 de setembro, anunciaram que o site ia ser lançado dia 01 de novembro e:
- O público clamou para que houvesse algum tipo de limite de compra por CPF, pra se proteger de revendedores que pudessem sei lá, comprar 30 fichários da Jolie de uma vez;
- Também clamaram por formas de se antecipar para a compra: saber de antemão os preços, fazer um pré-cadastro na plataforma;
- Clamaram obviamente por opções gentis de FRETE, particularmente o grátis;
- Como o site ia abrir em uma data específica pra compra, também sugeriram que o produto pudesse ficar seguro por alguns minutos no carrinho, pra dar tranquilidade pras pessoas poderem explorar o que havia no site e assim fechar um pedido só pra pagar um frete só;
- Os donos disseram que tinham se programado pro site aguentar o excesso de visitantes e ele não cair;
- Quase na véspera do dia 1, sem hora definida pra abertura do site ainda, fizeram uma enquete com os seguidores perguntando se o melhor horário para abrir seria seis e meia ou sete e meia da manhã.
Aí, chegou dia 30 de outubro e:
- A Papelaria decidiu abrir o site antecipadamente no dia 31, as 8 da noite;
- Não ia ter limitação de compra por CPF, nenhum tipo de frete grátis, nenhum pré-cadastro (seria feito com os dados que a gente informaria na hora de fechar o pedido), nenhuma ideia sobre os preços além de um vídeo que eles haviam publicado no dia 9 de outubro falando os preços de alguns fichários, e a recomendação dada pros compradores para não perderem os produtos que queriam era colocar no carrinho e finalizar a compra de imediato, ao invés de esperar pra fechar um carrinho só (e assim, logicamente, acabar pagando vários fretes);
- O servidor deles obviamente caiu.
Análise
A experiência desse lançamento pra mim só não foi pior do que a compra do ingresso da Taylor Swift porque eu consegui comprar quase tudo o que eu queria - depois de exatamente uma hora e vinte e sete minutos dedicada exclusivamente a isso. Passei, portanto, MAIS tempo do que o que eu gastei no site da Tickets4fun, e mais nervoso (já que o site caiu e não tinha por exemplo uma fila infinita que me desse uma noção de horário). Depois de meia hora dando F5 o site começou a aparecer pra mim, eu consegui pesquisar as coisas que queria, mas dava erro e não ia pro carrinho. Depois de uma hora e dez eu desisti, fui enfim socializar com a família como uma pessoa normal faz depois de sair do trabalho, mas o site funcionou no celular, comprei e paguei com um frete só.
Tirando o caos pra conseguir acessar o site, foi bem fácil navegar pelo site, por meus dados e pagar, e a busca funcionou direitinho. Diga-se de passagem, paguei QUARENTA reais de frete.
Quando entrei de novo no Instagram deles pra acompanhar a repercussão (umas onze da noite), os comentários estavam bem ruins: muita gente com produtos no carrinho sem conseguir comprar pois o site não tinha formas de envio disponíveis para a sua cidade (vi pessoas mencionando que isso aconteceu com entrega pra capitais, cidades de MG, SP, Guarulhos, Niterói... insano), pessoas que passaram pelo terror de por produto no carrinho e ele esgotar antes de pagar, que esse bug do envio fez muita gente perder produtos, muita gente reclamando da queda do site e pessoas reclamando dos preços. Agora, no final do dia 1/11, a reclamação dos problemas de falta de envio pra localidade parecem ter aumentado ainda mais.
Aqui vou fazer um parêntese pra falar dos preços: apesar de eles não terem anunciado com antecedência - o que eu achei desnecessário, porque ajudaria o pessoal a se preparar - eu não achei caro. Quer dizer, está caro sim, mas não mais excessivamente caro do que os produtos atuais. Paguei 25 reais em um caderninho 1/4 espiral de 96 folhas, um novo (com 80 folhas) no site da Tilibra está 30. Aí tem gente que entra dizendo que por serem produtos velhos e sujeitos à ação do tempo devia ser mais barato, gente que entra dizendo que por serem vintage e limitados devia estar ainda mais caro, e nesse sentido achei justo usarem o preço atual como referência. Sim, se você for comprar na Kalunga, ou em quantidade, ou numa promoção da Amazon, ou de alguma marca obscura você vai pagar mais barato, mas se você está mais preocupado com o preço do que com o produto em si realmente não compensa comprar de uma papelaria no Espírito Santo que não é nem perto de você e nem famosa por preços competitivos. De qualquer forma, isso deu bastante backlash. Talvez se tivessem apresentado os produtos com mais detalhes, feito um conteúdo com mais cara de porno de papelaria (haahahahahahaha), teriam se aproximado mais da clientela que compraria sem dó de pagar.
Ainda que eu tenha conseguido comprar, achei realmente que a ~experiência ~ de compra foi terrível. A história das vendas online se arrastou por meses, a informação ficou bastante perdida e difusa, o que gerou ansiedade - mesmo com um buzz constante na imprensa, questões sobre preços e os inúmeros pedidos pra limitarem por CPF só foram respondidas na hora. Não sei se seguraram as informações dos preços para não sofrerem esse backlash antes do site sair, mas talvez teria sido melhor deixar tudo claro antes e direcionar pra quem tem interesse em comprar essas coisas, pra já ir cativando e fortalecendo a relação com o cliente.
Muita gente também relatou a experiência de expectativa, ansiedade, decepção e frustração - que é uma coisa que ninguém precisa mais, especialmente se você está falando de uma compra por hobby (como costuma ser papelaria) de algo que lembra a infância. Teve quem levou na esportiva, teve quem pareceu bastante chateado, teve quem apareceu nos comentários pra dar lição de moral em quem tava triste e se mostrar um ser humano evoluído, dizendo coisas do tipo 'parem de amargura, gratidão florzinhas'.
A mudança da data também achei bem problemática: anunciaram num vídeo de 16 de setembro a data 1/11, deixaram essa informação no fixado o tempo todo, e no dia 30/10 disseram que teria o pré-lançamento no dia 31. Nesse pré-lançamento colocaram o site operando com todo o estoque, ou seja: se tinha algum cristão que não pode entrar na internet nesses dois dias e estava esperando conseguir algo no dia 1, deve ter ficado bem decepcionado. Depois justificaram que essa mudança se deu também porque no dia 2 não teriam como ter suporte por causa do feriado - mas as pessoas deviam saber que teria feriado no dia 2 quando escolheram o lançamento no dia 1.
O problema das entregas, eu nem sei o que dizer, de tão absurdo - pelo jeito foi um bug. Mas isso também contribuiu muito pra experiência ruim, já que quando você abre o site está lá 'envio garantido pra todo o Brasil'.
Considerações finais
É óbvio que nem todo mundo iria conseguir comprar tudo, mas eu achei que todo o processo foi extremamente caótico e um tanto quanto amador, e dizer "que bom que compraram tudo" não aumenta a simpatia do consumidor frustrado com você. Se tem processos de venda online que conseguem segurar coisas por x minutos no carrinho, unir mais de um pedido pra processar ele com um frete só (alô, loja da Hobonichi), promoções que limitam máximo de x compras por CPF, gente que dá frete grátis acima de um valor x, servidores que não caem mesmo com acessos de público de show da Taylor Swift, por que não implementaram isso?
Por que não ter estruturado antes o e-commerce como uma papelaria normal, pra testar o site, e fazer o drop dos produtos mais especiais em uma outra data? Será que teria funcionado fazer drops menores, avisar o pessoal de quantidades, deixar todo mundo ter uma noção prévia dos preços? Ou quiseram fazer dessa forma pra não perder o barulho causado pela ansiedade da galera?
Embora sabemos que as pessoas fizeram o seu melhor e que ninguém gerou o caos de propósito, na minha opinião (tm) depois de tanto buzz e expectativas alimentadas por quatro reels diários durante meses, faltou planejamento pra ~encantar ~ o tal do cliente, e eu acho que isso gerou uma primeira impressão bem ruim pra vários potenciais compradores de todo o Brasil. Talvez teria sido melhor seguir as sugestões de alguns seguidores e fazer um museu da papelaria mesmo.
E se continuarem a vender, frete grátis, pelo amor de Deus, o Brasil implora!!!!!!
Ah, eles ainda tem caixas fechadas de produto que ninguém ainda sabe o que tem dentro e em algum momento (sabe-se lá quando) esses produtos antigos vão entrar no site de novo. E se você perdeu algo que queria muito nessa venda, pode tentar procurar alguém revendendo (às vezes de forma extremamente superfaturada) na Shopee (aqui aqui aqui aqui aqui).
UPDATE: Aparentemente hoje, 3 de novembro, várias pessoas estão falando nos comentários do Instagram que tiveram seus pedidos cancelados pela loja e não tiveram explicação. Segundo a loja, o grande número de acessos causou sobrecarga e erro na comunicação entre a plataforma que fazia a venda e a plataforma que contabilizava o estoque, então isso gerou mais frustração em uma galera que achou que enfim tinha conseguido comprar os itens que sonhou. O estorno dos pedidos foi/vai ser feito, mas tem muita gente chateada pela questão dos itens que perdeu.
Opinião pessoal: diante de tanto choro e ranger de dentes também tem uma galera agindo como advogada de papelaria e criticando os clientes por reclamarem e agirem como "crianças imaturas". Se você não tá achando que é o fim do mundo essa tour, legal, mas isso não te faz melhor do que ninguém, para de debochar do sofrimento alheio, cada um tem a sua experiência. Não acho que a Papelaria tem que ser linchada, mas com certeza quem não tem culpa de nada nisso é o consumidor.