ou: ser fã é um evento muito estressante
ou também: o carnaval das patricinhas
ou ainda: mulher feia, triste e fã de prog rock inventa de pegar três ônibus
pra ver uma loira pernuda no rio de janeiro e dá tudo errado
Comentei meio de passagem por aqui, mas em junho desse ano consegui comprar um afamadíssimo ingresso pra um dos shows da turnê atual da Taylor Swift, a The Eras Tour, no Brasil. A mulher viria fazer três shows no RJ (17, 18 e 19/11) e três em SP (24, 25 e 26/11), trazendo sua presença pra essas terras depois de 12 anos. Eu tinha um ingresso devolvido da finada Lover Fest dela que foi cancelada pela pandemia, e embora estivesse meio assim de gastar os tubos num show num momento que eu não estava nadando em dinheiro, também nunca tinha tido a experiência de ir num show internacional e minhas amigas estavam empolgadíssimas, então decidi ir. Com quatro álbuns inéditos e duas regravações lançadas que ela não teve oportunidade de sair em turnê, a gata decidiu simplesmente fazer uma turnê chamada The Eras na qual ela reviveu músicas de TODOS os álbuns MENOS O DEBUT, num espetáculo audiovisual de três horas com looks bafônicos, coreografias massa e muitos efeitos no palco, além de tocar toda noite duas músicas surpresa pra plateia dentre todas as que não estavam na setlist fixa e que ainda não tinham sido tocadas (as surprise songs). Um prato cheíssimo pra qualquer fã.
Mas antes, contexto. Entre julho e novembro de 2023, eu:
- Ouvi todas as músicas da setlist do show que eu não conhecia, e comecei a garrar um amor nos álbuns Folklore e Evermore;
- Falei mal da ideia de comprar miçanga pra fazer pulseira, comprei miçanga, fiz pulseira e adorei (só não comprei mais pq há limites);
- Gastei 700 reais em passagens de ônibus pro Ridijanero (pois infelizmente não senti nem o cheiro dos ingressos pra SP);
- Pensei em looks elaboradíssimos pro show e depois desisti;
- Entrei em um grupo de whatsapp pra quem ia no show do Rio e foi certamente uma experiência antropológica conviver com fãs tão de perto por tantos dias
HORRÍVEL; - Surtei por motivos pessoais ao som das mais tristes do Folklore e do Evermore;
- Surtei por motivos pessoais berrando All Too Well 10-minute-version no carro;
- Cansei de surtar ao som de Taylor Swift e parei de ouvir ela, mas não sem antes descobrir que Cruel Summer é boa mesmo e ouvir por 40x seguidas;
Enquanto isso, no mundo:
- Todos os swifties do já mencionado grupo juravam que ia ter anúncio de álbum novo no Brasil;
- Ela começou a namorar uma geladeira Electrolux duas portas que joga na NFL e não se falava em outra coisa o tempo todo;
- Os fãs brasileiros, com medo de serem humilhados pelos argentinos, conseguiram fazer o padre responsável por projetar coisas no Cristo Redentor botar uma homenagem pra mulher lá (boatos que custava 100 mil reais, não tenho ideia se pagaram ou se o padre fez por medo de não ter mais paz);
- Decidiram montar uma mesa temática de café da manhã na Ana Maria Braga pra TODOS os álbuns da Taylor, um por dia
Swiftie lore: a primeira vez que a Taylor veio pro Brasil (divulgando o Red, em 2012) ela foi na Ana Maria Braga e ganhou UM LOURO JOSÉ. |
Uma semana antes de vir pro Brasil ela estava fazendo show na Argentina, mas ao invés de dar uma passeada no parque das Cataratas e fazer umas comprinhas no Paraguai antes de vir pro Brasil, ela catou o jatinho dela e vazou pros EUA pra pisar aqui 4 dias depois.
O primeiro show dela no Brasil teve:
- Calor do caralho;
- Ela parando o show pra distribuir água pra galera;
- Uma fã falecendo no meio do show (guardem essa informação) (eu vou discorrer sobre isso depois).
Quando o show do dia 17 acabou eu estava na metade da minha jornada pro Rio, em algum lugar depois do meu checkpoint na rodoviária da Barra Funda em São Paulo, e recebi a notícia do falecimento da menina. Daí pra frente, meusa migo, foi só pra trás.
Cheguei no Rio de Janeiro dia 18, 6:15 da manhã, pra encontrar:
- Banheiro público acessível mediante três reais que não tinha papel higiênico
- A rodoviária infestada de swifties;
- Suor as 7 da manhã;
- Problemas externos que impossibilitaram um encontrinho chique das minhas amigas antes do almoço (duas das quais que iriam no show do dia 18, dali a algumas horas);
- Uber beirando os 60 reais;
- Notícias de que o show começaria uma hora mais cedo, provavelmente por causa do calor;
- Um hotel infestado de swifties mineiras, muitas das quais menores de idade e que estavam acompanhadas das mães, se arrumando pra sair de excursão até o Engenhão, enquanto tocava o Folklore no hall e eu só queria fazer check-in e tomar um banho depois de ter já acumulado 5 camadas de suor na minha jornada de 31 horas fora de casa.
Depois de algumas horas fazendo força pra não capotar na cama pleníssima do meu hotel na Barra da Tijuca, encontrei minha amiga com quem iria no show no dia seguinte, e estávamos combinando de ir jantar quando chegou a notícia do cancelamento do show do dia 18, às 17:44, mais ou menos meia hora antes da hora prevista pro início. Eu fiquei estarrecida. Tentamos conversar com nossas amigas que estavam lá e depois de algumas horas, a resposta delas: teve arrastão dentro do estádio, tudo foi caótico e assustador, extremamente frustrante. Eu honestamente não saberia dizer como eu ficaria se fosse eu lá.
Enquanto isso, começou a ventar e chover no Rio de Janeiro e até raio caiu dentro do Engenhão.
No dia 19, acordei completamente abatida capenga e nervosa com o que quer que me fosse acontecer. Choveu forte de manhã e passei o dia na função ir pro show, mas ao mesmo tempo paranóica com qualquer notícia de cancelamento do show - embora a chuva, que já estava prevista uns 10 dias antes, realmente abaixou o calorão. Pagamos mais uma pequena fortuna em Uber, almoçamos num lugar simpatiquinho, quando bati a porta do carro que levaria a gente pro Engenhão só conseguia pensar "meu Deus nada mais pode dar errado agora" e "meu Deus do céu IMAGINA SE DER ERRADO?" Highlights do trajeto: vi pela janela o castelinho da Fiocruz, reminiscência do meu passado profissional de saúde pública (:
Ao chegarmos lá:
- Um amigo meu dizia que o Rio de Janeiro se divide entre o Rio e o De Janeiro. O Engenhão fica no De Janeiro e é uma parte da cidade habitada por pessoas normais, é um bairro meio classe-média-baixa-trabalhadora que literalmente a Globo não mostra;
- Fiquei impressionada com a magnitude das coisas: o tamanho do estádio por fora, a quantidade de gente, a quantidade de gente vestindo a mesma roupa (a saia de paetê prata da Renner), e adereços brilhosos diversos que me fez batizar o rolê de carnaval das patricinhas;
- Passei calor pela primeira vez no dia, e assisti a mão invisível da economia fazer seu trabalho quando fui fazer xixi na casa de uma pessoa completamente aleatória que, como várias, cobrava 3 reais pelo uso do sanitário;
- Teve treta por pessoas furando fila;
- Começou a chover, me obrigando a por capa de chuva;
- Posso confirmar que é verdade que em dado momento da fila do show ninguém te revista direito. Nem olharam meus documentos;
- Não consegui acreditar que era verdade que eu realmente tinha entrado lá e que aquele show ia acontecer. Eu fiquei esperando dar errado até o último momento;
- O show é realmente um espetáculo visual de 3 horas, mas eu achei que ia me emocionar mais;
- Teve todo o rolê lá de ela cantar Bigger Than The Whole Sky;
- Encontramos swifties legais e queridos, mas os pais de swifties novinhos foram em geral grossos e insuportáveis (exceto as mães mineiras que eu encontrei no hotel);
- Considero um milagre eu, uma caipira do interior do Paraná ter ido embora 1 da manhã de Engenho de Dentro sem ter sido assaltada;
- Nunca mais espero ir num show de pista. Cadeiras, por favor.
Na segunda-feira catei minhas coisas e comecei minha peregrinação pra casa enquanto Taylor Swift se arrumava pra fazer o show do dia 18 que tinha sido remarcado pro dia 20, onde enfim a gata pegou tempo bom e um calor menos diabólico, mas perdeu o salto da bota no primeiro ato do show e continuou se apresentando na ponta do pé tal e qual a Barbie. Não tenho a menor ideia de onde ela se enfiou ou o que fez enquanto ficou no Brasil, como foi pra SP, onde comeu, onde se entreteu - só sei que por lá teve outro show debaixo de chuva. O que me informaram é que anteontem (27) ela já zarpou imediatamente do país, sem anunciar nada novo e deixando o brasileiro com a terrível surprise song Me!, pra ficar dois meses morando com a geladeira Electrolux dela numa mansão no Kansas.
Agora, minha opinião pessoal:
Como eu não sou fã dessa mulher, posso falar: Achei podre a atitude dela diante da morte da fã. É claro que não foi culpa dela, mas o distanciamento da história me marcou como algo horrível. Ela postou um único story no dia 17, depois do show, dizendo que a menina havia morrido antes do começo do show, o que é falso, e disse que não ia se pronunciar sobre o assunto no palco. Os comentaristas da internet disseram que isso pode ter sido por proteção legal. Eu, enquanto pessoa que tem algum envolvimento emocional com essa mulher pra ter ido até lá, achei podre. No show do dia 26, veio a notícia de que a família da fã compareceu ao show e se encontrou com ela, com fotinhas e tudo. Cada um lida com o luto de uma forma? Sim, mas o que é o luto da Taylor Swift perto do luto da família da menina? Por Deus, sei lá.
O cancelamento do show do dia 18 eu achei o maior dos absurdos. Segundo a outra nota que ela postou - que também foi um único story de texto - o cancelamento ocorreu por causa das "temperaturas extremas" no Rio. Amada, sua equipe não sabe olhar o Climatempo? TODO MUNDO sabia que tinha uma onda de calor no Rio, que tinha chance de chuva no dia 19, etc. Tudo bem, imprevistos acontecem, ela não pode decidir as coisas sozinha, mas cancelamento de última hora devido ao calor - quando todo mundo sabia que ia estar calor, quando os fãs passaram o dia torrando debaixo do sol quente na fila, quando já era 17:30 e o sol enfim estava baixando, quando faltava uma hora pro show e o povo já estava montado, empolgado, vivendo o que enfim planejaram pra viajar lá dos confins do Brasil pra isso, foi de um amadorismo absurdo. Se não queriam conduzir o show por conta do falecimento da Ana, teria sido muito mais digno explicar isso, mas de novo, isso implicaria o reconhecimento de algo que poderia trazer problemas jurídicos. Se foi isso, podre.
No show depois do ocorrido (o meu), ela tocou Bigger Than The Whole Sky como surprise song. É uma música bem tristinha que vi uma vez a interpretação de que era sobre aborto e achei que casou muito bem, mas não tem - e nem teve na apresentação - nada explícito de que ali se tratava de uma homenagem pra alguém que morreu. Nada, absolutamente nada foi dito, e eu também achei podre mandar uma possível mensagem cifrada no melhor estilo "quem é fã sabe" diante de um momento tão confuso e delicado pra tanta gente que estava olhando pra ela naquele momento. Mulher, cê não vê The Crown???? (Se você não vê The Crown, estou me referindo a uma cena que o Charles fala pra Rainha BE THE MOTHER OF THE NATION. Mostra que você tá vendo o que tá acontecendo ô caralho, ao invés de se esconder atrás da noção de privacidade, quando o que aconteceu foi um evento notoriamente público.)
Eu esperava me debulhar em lágrimas a partir da terceira ou quarta música do show (é o que costuma acontecer em casa) e isso não aconteceu. Talvez isso tenha a ver com o nervoso que eu passei, talvez com o fato de que tudo é perfeitamente ensaiado: as caras e bocas, as interações dela com a platéia, as pausas e silêncios, a pose beijando o muque antes de The Man, a pausa pra conversar com a plateia (e se emocionar) antes de Champagne Problems. Tudo bem, esse é o trabalho dela e nem todo dia de trabalho você está transbordando emoção, mas................ li no twitter uma pérola de sensatez que dizia que o trunfo da Taylor é ela ser extremamente relatable, simples, emotiva, que sofre por desilusões amorosas e se sente inadequada como você e eu. Então, se eu saí daqui da puta que pariu pra viver uma ~experiência com essa mulher, eu esperava um pouquinho de emoção genuína. Bem feito pra mim, que fiquei esperando amizade de uma estrela pop. Mas é realmente um show muito bonito e com certeza os fãs amaram, então quem sou eu na fila do pão pra dizer alguma coisa.
O rolê da relatability também ficou feio no Brasil: enquanto os artistas vêm aqui e tomam banho em praia interditada, vão pedir benção na missa, em escola de samba, em cervejaria, vão fazer compras no mercadão, tomar uma na praia, ver jogo da seleção e o escambau, TS não nos deu nem a alegria de uma notinha na mídia pra dizer que comeu um pão de queijo e amou. Ah, mas nenhum desses artistas aí que fez isso é grande igual ela, vão dizer. Ah, mas é perigoso, não sei o quê. Michael Jackson veio pra esse país GRAVAR CLIPE no meio da favela. Nosso povo brasileiro é um povo muito sofrido e simpático, o verdadeiro vira-lata caramelo e a gente certamente iria sair do nosso caminho pra dar carinho pra essa mulher, levar uma água, um cafezinho, um protetor solar, uma aguinha de coco, mas ela não deu nem abertura, postou nem a foto do Cristo Redentor metamorfoseado na retrospectiva protocolar que ela postou. Minha sensação? Ela detesta esse país e só veio aqui ganhar dinheiro.
Por fim: eu achei que o rolê das pulseirinhas ia ser ridículo, eu amei o rolê das pulseirinhas. Troquei com amiguinhos que fiz na rodoviária na ida e na volta, queridos que estavam tão perdidos e sozinhos quanto eu, e com as amigas virtuais que pude enfim desvirtualizar neste rolê - e isso foi muito gostoso, não me sentir sozinha, encontrar pessoas que compartilham das mesmas emoções, que fizeram pulseirinha das minhas músicas favoritas e ficaram feliz em trocar comigo ou até mesmo distribuir as que tinham feito. Fica aqui o registro das pulseiras que voltaram comigo, com menções honrosas pra "obsessive and crazy" que eu arrebentei sem querer, a maravilhosa "verão do carai" e o duo "in a storm" e "fearless" (fui eu que profetizei a chuva pra combinar com minhas pulseiras, desculpem)
tag yourselves, eu sou a 'in a storm' (inclusive, feita por mim mesma. Essa era introcável) |
Depois dessa tour, vou aposentar minhas chuteiras de fã e curtir Taylor Swift só no sigilo, já que ela não me valoriza de volta. Devia ter ido ver o Maneskin que cantou Exagerado (!!!) e Vent'anni só porque a galera do twitter pediu.